Profa. Ana Cláudia Verlindo Canesin
Diretora da Escola Estadual Pastor Daniel Berg (Dourados/MS)
Foi preciso sermos rápidos e ágeis! A adaptação foi durante o percurso, de modo muito rápido. Fomos pegos de surpresa diante do desconhecido que ainda nos causa pânico e, em muitas pessoas, a dor. Houve perdas imensas. No nosso ambiente de trabalho, perdemos o contato direto com nosso aluno. Saímos do espaço escolar, quase que sem rumo; não sabíamos por quanto tempo, como seria nossa rotina, como nossos alunos iriam reagir, como seria a participação familiar, etc.
O ensino remoto foi organizado em um curto intervalo de tempo. Era papel da escola e dentro de sua comunidade: assegurar a aprendizagem e até saúde emocional de nossos alunos e de toda equipe de trabalho. Os alunos foram os mais atingidos, sentiram a falta do professor e dos colegas de sala, perderam a rotina, os cursos que faziam fora da escola, os passeios com os amigos… No início percebemos que a preocupação era em saber se estávamos todos vivos e bem, mas com o tempo e o distanciamento, as notícias passadas pelos grupos de WhatsApp foram se tornando preocupante.
Aquele colega, que sempre foi seu parceiro em sala de aula, não está nada bem. Falta coisas essenciais em sua casa, ou alguém está doente ou perdeu um familiar. Adolescente que teve que mudar a rotina e o encontro com os amigos pois tinha grupo de risco em casa e não podia mais sair. Outros não dispõe de uma rede de internet e nem de um bom celular para acompanhar as aulas. Aquele que até tem um celular, mas a internet é limitada ao crédito pré-pago de seu pai ou de sua mãe. Enfim, momentos difíceis, que de uma hora para outra isolou cada vez os nossos adolescentes, aquela fase em que estar em grupo e essencial, eles que precisam partilhar todas as emoções.
Com o passar dos meses, fomos percebendo que parte desses alunos estavam presos no quarto, alunos em casos graves de depressão, detectada às vezes pela conversa com o professor, ou até a ausência nas devolutivas das atividades. Em busca ativa da coordenação e direção escolar, foram detectados os casos graves depressivos, mutilações e casos de violência familiar. O próprio estado forneceu um sistema de notificação rápida nesses casos, mas o distanciamento nos deixou sem uma ação precisa no diagnóstico e um acompanhamento mais próximo, como era no presencial. É desesperador saber que nosso aluno está sozinho e não podemos ir até ele.
Quanto à aprendizagem, seguem aprendendo e se desenvolvendo da maneira que conseguem, com o pouco que seu pai, mãe ou até um irmão mais velho consegue lhe auxiliar; ou, às vezes, nem isso. Acabam sendo atores quase solitários nesse processo, aqueles que tanto sonhamos em ter em sala de aula. Seguem internalizando formas de viver em família, de adaptação, de gerir emoções, de tentar resolver aquela atividade difícil e muitas vezes sem nenhum propósito a eles, e assim deixam de existir e sonhar por alguns instantes. Se apavoram com um professor que para eles era querido em sala de aula, mas que agora não lhe atende porque ele também está passando dificuldades seja com o ensino remoto, seja com na sua vida pessoal; ou aquele professor simpático e sorridente que simplesmente, agora, nesse momento, se fechou, se isolou de tudo e de todos.
Em casa o professor, no ensino remoto se encontra desesperado em como fazer, como preparar, como enviar e como receber as atividades remotas. Seguem um cronograma e respeitam o calendário escolar, mas precisam pensar na qualidade, dosar a quantidade daquilo que estão entregando às famílias. Então, como esperar que tudo seja igual? Estamos adentrando o ambiente familiar como nunca.
O que estamos fazendo para respeitar esse espaço? Para respeitar os diversos contextos familiares, as particularidades e até as emoções? O que estamos fazendo para acolher as angústias dessas famílias? A partir dessas questões percebemos ser essencial pensarmos o papel da escola e, talvez, reinventá-lo, ressignificá-lo e fazer com que nosso aluno jamais desista de seu sonho: de alcançar um bom emprego no mercado de trabalho, de poder dar uma vida melhor à família que construir e, até, de proporcionar a seus pais um momento digno daquilo que todos esperamos ser a participação em uma escola democrática, inclusiva e, principalmente, humana.
O professor, na sua casa, preparando a atividades pedagógicas a serem enviadas a seus alunos, precisa sentir, se colocar no lugar de cada um, não daquela minoria que pode acompanhar o Google Classroom, que pode traduzir a língua estrangeira, que pode abrir qualquer imagem ou arquivo no celular… Esses darão um jeitinho de aprender. Mas pensar naquele que está naquela casa simples, com pouca estrutura, mas que sonha e almeja aprender, que se espelha naquele professor presente, mas agora distante…